
lisboa.as gotas de chuva escorriam com pressa pelas lentes dos óculos quase redondos, que ela um dia lhe oferecera.estavam embrulhados num papel muito bonito,cheio de pequeninos corações de todas as cores:"para quem eu mais quero.para quem eu mais desejo,para a outra metade de mim.n."era o tempo em que ela o amava,tão profunda e incondicionalmemte como só os amantes sabem que é possivel.tirou-os da cara e limpou-os com o lenço branco ensopado.olhou para eles como quem olha para o cadáver de um passado recente.as mãos tremeram e os dedos abriram-se-lhe num torpor.antes de chegarem ao chão,sentiu-lhe o corpo macio,a delicadeza das formas,a embriaguez que os seus lábios lhe ofereciam todas as auroras.agora n. tinha partido para sempre da sua vida.para sempre.para sempre.para sempre.uma buzina estridente invadiu-lhe os sentidos.girou mecanicamente a cabeça para o seu lado direito.os faróis do camião fundiram-se nas suas lágrimas.esboçou um sorriso.foi a última luz que viu. (foto: josé serrano ).